(21) 2682-1379 Fale Conosco
[wpdreams_ajaxsearchlite]

A privatização dos Correios: avanços do neoliberalismo na venda do patrimônio público brasileiro

13 de agosto de 2021

Reportagem da Semana

Por Larissa Guedes e João Pedro Werneck Viana 

 

Servidores dos Correios se organizam em greve contra a privatização da estatal em setembro de 2020. Imagem: Reprodução Revista Exame.

 

 

Na última semana, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 591/2021, que determina a privatização da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT). O PL passou com  286 votos favoráveis e 173 contrários. O Projeto havia sido entregue pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso ainda em fevereiro de 2021, sendo parte de mais uma de suas promessas e acenos aos neoliberais no andamento das privatizações de estatais brasileiras. Em abril, o projeto entrou na classificação de regime de urgência para ser votado na Câmara.

 

O PL 591/2021 permite que os serviços postais sejam realizados por corporações privadas, sob a regulamentação da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), que passará a se chamar Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais. Além disso, o texto também abre a probabilidade de um maior prazo na operação dos serviços pela empresa privada que adquirir os Correios.

 

O PL ainda precisa passar pela análise do Senado antes de ser definitivamente aprovado e seguir para sanção do presidente. No entanto, as previsões são de que a validação deve acontecer com facilidade nas próximas semanas, já que há um forte lobby liberal e apoio dos parlamentares governistas dentro do Congresso Nacional. 

 

Os interesses privados no desmonte do setor público

 

Trabalhadores protestam contra a venda dos Correios. Imagem: Reprodução Jornalistas Livres.

 

O ministro da Economia, o ultraliberal Paulo Guedes, defende a venda dos Correios argumentando que a empresa é deficitária e geradora de gastos desnecessários para a União. As alegações do ministro, entretanto, não se comprovam. De acordo com o próprio site do governo federal, os dados fornecidos pelo Conselho de Administração dos Correios mostraram que em 2020, a empresa registrou o maior lucro líquido nos últimos 10 anos: a arrecadação do ano passado atingiu 1,53 bilhão de reais, um crescimento de 84% em comparação com o ano anterior, 2019. 

 

Para o diretor do Sindicato dos Correios do Rio de Janeiro, André Messias, “Paulo Guedes deseja retirar os Correios da competição, pois sabe que o Estado tem mais capacidade pra fazer o serviço postal. A existência dos Correios, neste processo, pode deixar claro para toda população brasileira que a teoria neoliberal é uma farsa”.

 

O economista e professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFRRJ, Antônio José Alves, define que “a argumentação da falta de qualidade associada a qualquer coisa que seja pública é o vinil arranhado de Paulo Guedes.” 

 

O docente critica o fato do ministro da Economia argumentar que o setor público não tem qualidade na prestação dos serviços sem apresentar dados que comprovem sua teoria. “O uso de evidências mínimas é muito importante para sustentar nossos pontos, pois falamos sobre economias onde vivemos. Já o ministro da Economia, que é, por sua posição, um expoente na profissão, dá a impressão de que o economista só precisa ter poder para dizer o que quer. De fato, ele até pode e faz o que quer, considerando a quantidade de reformas anti-populares que patrocinou. Mas, é preciso que se saiba, não é com um argumento robusto ou científico”, explica o docente.

 

O papel do serviço postal universal

 

O chamado “serviço postal universal” faz dos Correios a única instituição pública presente em todos os 5.570 municípios brasileiros. Imagem: Reprodução site dos Correios.

 

Os Correios são a estrutura pública federal mais presente no país e têm um papel muito importante na distribuição de correspondências e encomendas, inclusive remédios nas regiões mais remotas e menos assistidas. Presente em todos os 5.570 municípios, é a empresa pública mais antiga do Brasil, fundada há 358 anos. Atualmente, além do transporte de cartas e encomendas com as menores tarifas do mercado, fornece inúmeros serviços à população, como pagamentos, serviços bancários e emissão de documentos.

 

Wilson Araújo, diretor do Sindicato dos Correios do Maranhão, explica que, por conta da obrigação da empresa de atender todo o território nacional, os Correios tem imunidade tributária, mas que este cenário pode mudar drasticamente com a privatização da estatal. “A iniciativa privada tem como objetivo alcançar o lucro e em razão disso, mesmo que tenha que pagar impostos, não terá a obrigação de estar presente em todos os municípios. A iniciativa privada só quer estar em no máximo 500 municípios, menos de 10% da quantidade de municípios que existem no Brasil. Nós entendemos que não existe lucro possível de ser conquistado em 5 mil municípios porque se houvesse essa possibilidade de lucro, a iniciativa privada já estaria lá instalada. Com a privatização, a missão da empresa de atender toda a sociedade fica em segundo plano e passa a ter como sua prioridade a busca do lucro privado, a gente vê que os pequenos negócios e pequenos contratos ficam prejudicados”, argumenta o diretor.

 

Araújo também explica que até as grandes empresas podem sofrer prejuízos em seus contratos com a privatização. “As redes de todo o varejo, pequeno, médio e grande, também utilizam os Correios para entregar nos municípios que a iniciativa privada não faz distribuição. É muita gente que é atendida exclusivamente hoje pelos Correios. Com a privatização, além de pagar imposto, o que já vai no primeiro momento aumentar preços, a gente vai assistir o fechamento de enorme parte do atendimento diário de milhares de municípios”. 

 

Nas datas comerciais mais importantes do ano, como a Black Friday, os Correios registraram mais de 2 milhões de envios em um único dia. Com a privatização, os serviços de ‘e-commerce’ de pequenos e médios empresários, que usam os Correios para enviarem seus produtos, teriam que pagar três ou quatro vezes mais caro através de sistemas privados.

 

A empresa ainda é reconhecida internacionalmente por conta da qualidade dos serviços prestados, tendo vencido por quatro vezes o World Post & Parcel Awards, premiação considerada o “Oscar” do setor postal no mundo. Em 2021, os Correios foram indicados na categoria  “On Demand Delivery,” entrega sob demanda em português, pelos serviços prestados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) no transporte e distribuição de materiais clínicos e remédios relacionados ao diagnóstico e tratamento da COVID-19. 

 

O serviço postal também atua estrategicamente na integração nacional, sobretudo nos desafios de inclusão em países de proporções continentais, como é o caso do Brasil. O professor Antônio José defende que a estatal brasileira é fundamental para a redução de desigualdades sociais. “Os Correios desempenham um papel muito mais importante do que faturar com serviço de entrega de correspondências e encomendas. Em países grandes, com disparidades econômicas e sociais, muitas cidades pequenas e locais de difícil acesso, com um desnível enorme na oferta de infraestrutura de transportes, essa empresa tem funções que influenciam a política de saúde, como a entrega de vacinas, as eleições, uma vez que cabe aos Correios levar e trazer as urnas eletrônicas e outros serviços públicos. Os privados vão se comprometer com isso sem repassar custos para as demais atividades?, questiona o professor.

 

Em Portugal, após a privatização da CTT (Correios de Portugal) em 2013, os preços subiram em média 27% em cerca de 5 anos, o Estado perdeu milhões de euros em dividendos e os serviços tiveram “uma degradação da qualidade” com atrasos nos prazos das entregas, de acordo com os dados da auditoria realizada pela Inspeção-Geral das Finanças (IGF) do país. 

 

Para o professor Antônio José, não se trata apenas de privatização, mas de entregar a economia aos experts do mercado financeiro, o que ele considera um verdadeiro desastre. “O Estado deixa de ser pró-desenvolvimento e se converte no promotor ativo da transferência da dimensão publica da economia e da vida para o controle de representantes do mundo das finanças. O Estado, eventualmente, acaba se convertendo em uma máquina de guerra contra os interesses sociais para cumprir essa missão, atacando as instituições e as pessoas, além de, ele mesmo, se transformar em obstáculo à diferenciação produtiva e à inovação”, argumenta.

 

O sucateamento do serviço público como uma estratégia para demissões em massa de trabalhadores 

 

Manifestação dos trabalhadores dos Correios em Brasília em setembro de 2020. Reprodução: Revista Exame.

 

 

A privatização dos Correios representa uma perda enorme para os trabalhadores da empresa, que serão sumariamente despedidos a partir dos próximos 18 meses subsequentes à desestatização, caso não aceitem o plano de demissão voluntária que está sendo elaborado. 

 

O professor Antônio José lembra que houve uma cláusula para estimular a recontratação dos trabalhadores pela empresa privada que vier a comprar os Correios, mas não foi aprovada. “Para o governo essa é uma exigência sem sentido, algo que poderia tirar a atratividade do negócio e reduzir a eficiência da nova empresa. A lógica é só a do negócio da privatização e a política de um aceno, de demonstração de fidelidade ao mercado”, explica ele.

 

O diretor do Sindicato dos Correios no Rio de Janeiro, André Messias, chama atenção para o fato de que as perdas trabalhistas para os servidores da empresa tem sido recorrentes há bastante tempo. “Não existe concurso público nos Correios há 10 anos, e durante esse período, vários trabalhadores da empresa estão se aposentando. A direção da empresa tenta amenizar essa situação contratando, às vezes, alguns trabalhadores terceirizados temporários que não passam por um treinamento adequado, e não possuem os direitos trabalhistas dos trabalhadores concursados. No momento, vários trabalhadores ainda estão afastados por causa da pandemia. Além disso tudo, precisamos lembrar que o concurso de 2011 só aconteceu porque o movimento sindical fez uma greve em 2010”, aponta Messias.

 

O diretor acredita que as ameaças aos trabalhadores são muito graves. “Na campanha salarial de 2019, foi aprovado um acordo coletivo com validade de 2 anos. A direção da empresa, indicada pelo governo privatista, quebrou o acordo em 2020, e ainda teve o apoio do Tribunal Superior do Trabalho, que retirou a maioria das conquistas trabalhistas dos funcionários dos Correios”, rememora.

 

O professor Antônio José considera que o acúmulo de reformas trabalhistas nos últimos poucos anos indica uma alta chance de que os direitos trabalhistas sofram ainda mais precariedade, e com os altos índices de desemprego, ele aponta que a tendência é que os salários caiam e haja grande rotatividade. “Importante destacar que as privatizações, nas cabeças de Guedes e Bolsonaro, são apenas a desmobilização de ativos. Não há objetivos setoriais ou nacionais  para além do negócio da alienação do patrimônio em si. Não há, portanto, preocupação com remuneração ou empregos”, define ele.

 

Segundo o professor Antônio José, a disputa pelos Correios envolve grandes grupos econômicos que têm interesse os novos negócios do varejo eletrônico com logística no Brasil, como Magazine Luiza,  Amazon,  Lojas Americanas, Mercado Livre, Alibaba Express, DHL e FEDEX. 

 

“O varejo eletrônico e a logística são atividades que parecem estar se fundindo. O controle dos Correios poderia ser uma vantagem decisiva para esses grupos e, ao mesmo tempo, representar um tremendo desafio regulatório (…) Onde o Estado é mais necessário, é onde mais ele se retira. Se essas mudanças forem à frente, será necessário pensar no futuro do varejo de rua, dos empregos, da questão fiscal. É o contrário do que os outros Estados nacionais vêm fazendo, mas é o que está acontecendo aqui: vamos andando a esmo, depressa e, eventualmente, andando pra trás. O futuro, nessa falta de direção, não é nada alvissareiro”, conclui o docente. 

 

 


Mais Notícias

Assembleia da ADUR sobre 67º Conad acontecerá dia 10 de julho

Postado em 04/07/2024

🚨 Atenção, docentes! 📆 Dia 10 de julho, quarta-feira, acontecerá mais uma Assembleia Geral Simultânea e Descentralizada da ADUR. A leia mais


Representações sindicais participam do 67º Conad em julho, na capital de Minas Gerais

Postado em 03/07/2024

03 de julho de 2024 Comunicação da ADUR Convocado pela diretoria do ANDES-SN, o 67º encontro do Conad (Conselho do leia mais


UFRRJ concede título Doutora Honoris Causa para Benedita da Silva

Postado em 28/06/2024

O Conselho Universitário da UFRRJ aprovou, hoje, a concessão do título de Doutora Honoris Causa para a deputada federal Benedita leia mais


28 de junho | Dia do Orgulho LGBTQIA+

Postado em 28/06/2024

🌈 Em 28 de junho, celebramos o Dia do Orgulho LGBTQIA+. Esta data homenageia a coragem e a resistência dos leia mais


ADUR condena a tentativa de golpe militar na Bolívia

Postado em 27/06/2024

27 de junho de 2024 Comunicação da ADUR A Associação dos Docentes da Universidade Rural Federal do Rio de Janeiro leia mais


Próxima Assembleia da ADUR será 10 de julho – Salve a data

Postado em 26/06/2024

Salve a data! Dia 10 de julho acontecerá mais uma Assembleia Geral Simultânea e Descentralizada da ADUR. A Assembleia terá leia mais


CEPE acata demanda da ADUR: aulas retornam 26 de junho e dois semestres de 2024 serão finalizados este ano

Postado em 25/06/2024

O Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRRJ aprovou o retorno do calendário letivo para o dia 26 de leia mais


ADUR e Mulheres Marcham em Copacabana pelo Arquivamento do PL dos Estupradores

Postado em 24/06/2024

  23 de junho de 2024 Comunicação da ADUR No último domingo, 23 de junho de 2024, a Associação de leia mais


Assembleia Geral da ADUR encaminha assinatura das propostas apresentadas pelo MGI e pelo MEC e saída unificada da greve

Postado em 19/06/2024

Após amplo debate de análise de conjuntura e avaliação da greve, as professoras e professores da UFRRJ decidiram, em Assembleia leia mais


MGI aceita criar comissões para rever reenquadramento de aposentados, reposicionamento de docente e insalubridade

Postado em 19/06/2024

Temas foram incluídos na contraproposta de negociação a partir da atuação direta da ADUR O Ministério da Gestão e Inovação leia mais


demais notícias